Quase lá: Saúde negra: um ano de retomada após a devastação

Desmontadas nos anos Temer-Bolsonaro, políticas para compreender e enfrentar os problemas dessa população começam a ser redesenhadas. Tudo piorou, em dez anos – em especial para mulheres. Por isso, solução não está apenas em curar doenças…

OUTRASAÚDE

Publicado 19/12/2023 às 08:41


Créditos: Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

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Edivaldo Batista Sá em entrevista a Gabriel Brito

Depois de um hiato de sete anos, o Ministério da Saúde voltou a publicar um Boletim Epidemiológico de Saúde da População Negra. Com um apanhado de dados sobre indicadores de saúde desta população, sua mera desaparição nos anos Temer e Bolsonaro não deixam de ser uma ilustração dos significados práticos da ideologia do Estado mínimo preconizada por elites políticas, sociais e econômicas.

Mais que isso, as informações contidas neste boletim são elucidativas a respeito das consequências da agenda neoliberal aplicada ao contexto brasileiro e sua sociedade historicamente marcada pela segregação social. O Boletim é claro: a saúde da população negra piorou de forma desproporcional à de outros grupos étnicos-sociais do país.

“De fato, a saúde não é produzida nos serviços de saúde. Ali, se previne doenças e se promove, restaura e mantém a saúde. O governo tem plena consciência disso e está enviando esforços para que todos os setores governamentais contribuam para o esforço de promoção da igualdade racial em saúde, como mostra, por exemplo, o Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente”, explicou Edivaldo Batista Sá, da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Igualdade Racial (MIR), ao Outra Saúde.

A elevação da antiga Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial ao status de ministério cumpriu importante papel na elaboração do Boletim, que até conta com prefácio da responsável pela pasta, Anielle Franco. Essencialmente voltado a articulações políticas transversais, o MIR tem sido parceiro da Saúde na elaboração de políticas de equidade racial no sistema de saúde.

No último dia 5, o Ministério editou portaria que oficializa a Estratégia Antirracista na Saúde, que visa orientar e preparar profissionais do SUS no combate ao racismo dentro da própria estrutura deste serviço público. Nesse sentido, o Boletim reflete uma intervenção do MIR na busca pelo refinamento de informações em saúde que permitam atacar pontos frágeis na promoção da saúde da população negra.

“Dentre os compromissos assumidos, cabe destacar o aprimoramento do registro do quesito cor/raça nos sistemas de informação do SUS, da atenção à saúde prestada, inclusive enfrentando o racismo institucional e adequando a assistência aos problemas de saúde mais prevalentes na população negra, que incluem, dentre outros, a anemia falciforme, o diabetes mellitus, a hipertensão arterial e as doenças infecciosas”, explicou Edvaldo.

Talvez o ponto nevrálgico do Boletim, a saúde das mulheres mostra vários pontos a serem trabalhados por políticas públicas. Vítimas principais da combinação de precarização do trabalho, desemprego em massa e empobrecimento, mulheres pretas e pardas sofreram retrocessos dramáticos. Aumento de mortes maternas, por doenças evitáveis, e do número de nascimentos com bebês abaixo do peso são algumas das marcas em suas vidas.

“No caso do acesso ao cuidado pré-natal, por exemplo, o Boletim mostra que a proporção de gestantes que realizam sete ou mais consultas durante o pré-natal vem aumentando para todas as categorias de cor/raça, mas as desigualdades ainda se mantém em níveis inaceitáveis. Não existe justificativa para o fato da proporção de mulheres brancas que realizam sete ou mais consultas ser de mais de 80%, enquanto para as mulheres para as mulheres pardas é pouco superior a 66%”, criticou Edvaldo.

Como já demonstrou na sociologia da saúde, todos os indicadores expostos no Boletim são socialmente determinados. Isto é, passam por decisões políticas em outras áreas, que mais adiante se refletem na qualidade de vida e na satisfação de tópicos básicos dos direitos fundamentais. Apesar da pequena melhoria registrada neste ano, os prejuízos acumulados nos anos de retomada ultraliberal no Brasil são grandes. O Boletim é, no fim das contas, um bom guia do que é o racismo estrutural na vida cotidiana.

“Durante esse período houve redução no emprego, nos recursos para políticas de proteção social e nas condições de vida. Quando chega a pandemia em 2020, o cenário, que já não era bom, piorou. E, novamente, a população preta e parda sentiu mais fortemente os efeitos da crise sanitária e suas consequências econômicas. Somente em 2023, o quadro de crise em constante agravamento começou a melhorar”, resume Edvaldo.

Leia a entrevista completa com Edvaldo Batista Sá.

O que a nova edição do boletim Saúde da População Negra traz de mais importante? Por que alguns indicadores de saúde desta população retrocederam?

O racismo tem como consequência a desigualdade de oportunidades entre pessoas brancas e pessoas negras. Assim, a população negra traz consigo acúmulos de desvantagens que são difíceis de superar. Uma criança negra geralmente nasce de pais com baixa escolaridade, que ocupam postos de trabalho precários e mal remunerados e, assim, tem poucas possibilidades de mobilidade social. Seus pais vivem em habitações precárias localizadas em comunidades com acesso inadequado a saneamento básico e eletricidade, em situação de insegurança alimentar, sem opções de lazer, de atividades esportivas e culturais e exposta a níveis elevados de violência.

Como consequência, essa criança, assim como seus familiares, estará mais exposta a riscos à saúde e, mesmo assim, terá pior acesso a recursos de saúde, como mostra o Número Especial do Boletim de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde.

O fato de ser publicado pela primeira vez desde 2016 diz alguma coisa sobre os governos deste período?

Não é difícil achar explicações para as pioras em indicadores de saúde da população negra no período recente. A crise política e econômica que começou a se desenhar ainda em 2013 afetou desproporcionalmente a população negra quando comparada à população branca. Assim, a partir de 2016 já se verifica piora em indicadores de mortalidade materna e de mortalidade infantil, por exemplo, e a piora afetou principalmente as pessoas negras.

Durante esse período houve redução no emprego, nos recursos para políticas de proteção social e nas condições de vida. Quando chega a pandemia em 2020, o cenário, que já não era bom, piorou. E, novamente, a população preta e parda sentiu mais fortemente os efeitos da crise sanitária e suas consequências econômicas. Somente em 2023, o quadro de crise em constante agravamento começou a melhorar.

O período aqui analisado, e sua embocadura de políticas públicas, penalizou mais as mulheres? Por quê?

No caso do acesso ao cuidado pré-natal, por exemplo, o Boletim mostra que a proporção de gestantes que realizam sete ou mais consultas durante o pré-natal vem aumentando para todas as categorias de cor/raça, mas as desigualdades ainda se mantém em níveis inaceitáveis. Não existe justificativa para o fato da proporção de mulheres brancas que realizam sete ou mais consultas ser de mais de 80%, enquanto para as mulheres para as mulheres pardas é pouco superior a 66%.

Como o MIR colabora com o Ministério da Saúde na elaboração de políticas de saúde para a população negra? Como vocês avaliam essa atuação interministerial após um ano de governo Lula?

Em suas ações e colaborações com outros órgãos setoriais para a promoção da igualdade racial, o MIR tem como orientador principal o Estatuto da Igualdade Racial e o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que é por ele instituído. No caso da política de saúde, tem-se adicionalmente o compromisso assumido em 2009 pelo Ministério da Saúde, por meio da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, de melhorar o acesso à atenção à saúde e combater o racismo institucional no Sistema Único de Saúde, tendo em mente que as desigualdades raciais em saúde são resultantes de processos socioeconômicos, políticos e culturais injustos, que fazem com que a população negra tenha piores condições de vida, trabalho e acesso à atenção à saúde.

Que ações serão estabelecidas daqui em diante? Quais os principais objetivos para 2024?

Dentre os compromissos assumidos, cabe destacar o aprimoramento do registro do quesito cor/raça nos sistemas de informação do SUS, da atenção à saúde prestada, inclusive enfrentando o racismo institucional e adequando a assistência aos problemas de saúde mais prevalentes na população negra, que incluem, dentre outros, a anemia falciforme, o diabetes mellitus, a hipertensão arterial e as doenças infecciosas.

As ações do MIR na área de saúde serão pautadas pela colaboração com o Ministério da Saúde para que esses compromissos sejam cumpridos e pelo fortalecimento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial com esse fim e com a melhoria das condições de vida da população negra de modo geral.

Até que ponto a resolução dos problemas aqui expostos depende apenas de ações em saúde? É possível atacar os chamados determinantes sociais em saúde enquanto a racionalidade dos mercados hegemonizar a ação do Estado?

De fato, a saúde não é produzida nos serviços de saúde. Ali, se previne doenças e se promove, restaura e mantém a saúde. O governo tem plena consciência disso e está enviando esforços para que todos os setores governamentais contribuam para o esforço de promoção da igualdade racial em saúde, como mostra, por exemplo, o Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente.

As doenças de que tratam o Comitê são conhecidas como “doenças da pobreza” e, sob a coordenação do Ministério da Saúde, diversos ministérios (Ministério da Saúde; Ministério da Igualdade Racial; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania; Ministério da Educação; Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional; Ministério da Justiça e Segurança Pública; Ministério dos Povos Indígenas) estão elaborando um plano de trabalho para eliminá-las como problema de saúde pública.

   
fonte: https://outraspalavras.net/outrasaude/saude-negra-um-ano-de-retomada-apos-a-devastacao/
 

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