Quase lá: Memória, Verdade e Justiça para os nossos mortos

"Agora a UnB decidiu conceder o diploma a Honestino e reverter sua expulsão injusta"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

 

honestino guimaraes unb

Cerimônia de entrega de diploma póstumo a Honestino Guimarães acontece nesta sexta (26), às 15h30, na UnB

 

Em 1968, o movimento estudantil estava em ascensão no Brasil, como em todo o mundo. Era movido pela luta de classes, pelo desejo dos estudantes de transformar a sociedade, de reorganizar o modo de produção da sociedade, para que os trabalhadores, que produziam os bens, pudessem usufruir do produto do seu trabalho. E era preciso tomar o poder para criar essa nova sociedade. Mas esse poder estava nas mãos daqueles que se beneficiavam do trabalho para enriquecer, e não abriam mão de seus privilégios, não abandonavam o poder pacificamente.

Os jovens trabalhadores e os estudantes eram a nova geração progressista, em conflito direto com os detentores do poder, encarniçados em suas posições de dominação e habituados a explorar para lucrar. Havia ainda a luta entre gerações amalgamada com a luta de classes. Novos conceitos, nova moral, nova consciência, emergiam. Mulheres e minorias étnicas e sexuais reivindicavam direitos e lutavam por eles.

Os trabalhadores queriam fazer valer seus direitos e para isso era necessário construir uma nova sociedade. Muitas organizações políticas surgiram, reunindo os que pretendiam empreender a transformação da sociedade. E muitos se lançaram de corpo e alma nessa luta. Um desses militantes era Honestino Monteiro Guimarães, que, como tantos, renunciou ao convívio familiar e às perspectivas de sucesso pessoal para viver como clandestino, perseguido pela repressão política que tinha como objetivo exterminar aqueles que ameaçavam organizar os oprimidos para que tomassem o poder e construíssem uma nova e justa organização social.

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Honestino era estudante de geologia na Universidade de Brasília. Sua consciência dos problemas que afligiam o povo brasileiro, as classes trabalhadoras e os estudantes o fez participar do movimento estudantil e da luta contra a ditadura. Foi eleito presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília e organizava os estudantes para a luta política em defesa do ensino universitário público, gratuito, democratizado, aberto aos jovens de todas as classes sociais.

Nesse contexto, participou da expulsão do quadro docente da UnB de um falso professor, que forjara documentos para aproveitar-se da situação de instabilidade depois dos ataques da ditadura à UnB por ocasião do golpe militar de 1964 e introduzir-se na UnB.

No dia 26 de setembro de 1968 o Conselho Diretor da UnB, formado por Adroaldo Dias de Mesquita, Amadeu Cury, Antonio Moreira Couceiro, Ivan Luz, Plínio Cantanhede e presidido pelo então reitor Caio Benjamin Dias, excluiu Honestino Monteiro Guimarães, (que apesar das perseguições já havia completado a maior parte dos créditos necessários para se formar) do quadro discente da UnB. No mesmo dia, excluiu também o falso professor, Ricardo Román Blanco. E na mesma data, o reitor Caio Benjamin Dias nomeou vice-reitor o professor José Carlos Almeida Azevedo, que era também capitão-de-fragata da Marinha. Azevedo, em todos os longos anos em que foi vice-reitor e depois reitor, dedicou-se a vigiar e punir os estudantes, professores e demais trabalhadores da UnB. Aplicou punições de expulsão e suspensão a dezenas deles.

A Honestino, expulso da UnB, já condenado em alguns processos e perseguido por mandados de prisão, sem direito a habeas corpus pelo AI-5, restou a clandestinidade, até ser localizado e capturado pelos carrascos da ditadura. Não foi preso formalmente, mas sequestrado, sem testemunhas, e nunca mais foi visto.

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No dia 10 de outubro de 1973 despediu-se da companheira, recomendando mais uma vez que ela divulgasse o Mandado de Segurança Popular caso ele não voltasse. E não voltou. Sob a censura imposta aos meios de comunicação, a prisão de Honestino não pôde ser amplamente divulgada. Sua mãe e seus irmãos o procuraram em delegacias e quartéis, no Rio de Janeiro e Brasília, denunciaram a prisão à CNBB e à Anistia Internacional, em vão.

No final de 1973, Dona Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino, recebeu autorização para visitá-lo em Brasília. Porém foi mais um jogo cruel dos carrascos, que depois de fazer familiares e amigos esperarem longamente, deram a notícia de que Honestino não estava ali.

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A ditadura esgotou suas possibilidades de continuar governando o país amordaçado pela lei de segurança nacional baseada na doutrina do inimigo interno criada nos Estados Unidos para vencer o comunismo em todo o mundo, à custa de golpes militares, massacres, perseguição e tortura de opositores. Não era competente na gestão econômica e enfraquecia politicamente.

Depois de uma limpeza política que incluiu o assassinato das principais lideranças da esquerda, inclusive das que não defendiam a luta armada, criou uma auto-anistia prévia para escapar da punição por seus crimes. Então os ditadores retiraram-se para gozar de sua impunidade.

Os crimes contra a humanidade ordenados por governantes e executados pelos agentes da ditadura ficaram impunes, apesar de algumas condenações pontuais. Alguns corpos foram encontrados, alguns torturadores foram desmascarados e até condenados, mas nenhum foi preso. Mães e pais faleceram sem saber como seus filhos morreram e sem dar-lhes uma sepultura digna. A busca de centenas de famílias continua sem fim.

Mas continuamos empenhados em resgatar a memória dos nossos combatentes, de esclarecer as circunstâncias de suas mortes, a identidade dos assassinos e mandantes e exigir a justiça.

Honestino e muitos outros não puderam terminar seu curso universitário. Mas as universidades começam a reconhecer seus méritos como estudantes.

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Os diplomas que eles teriam certamente conseguido com honra, se não fosse a perseguição, as mortes sob tortura e os desaparecimentos forçados, começam a ser concedidos postumamente pelas universidades. A USP foi a primeira a diplomar Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Mouth Queiroz. Agora a UnB decidiu conceder o diploma a Honestino e reverter sua expulsão injusta.

*Betty Almeida é escritora e autora do livro "Paixão de Honestino".

 

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Edição: Flávia Quirino

fonte: https://www.brasildefatodf.com.br/2024/07/25/artigo-memoria-verdade-e-justica-para-os-nossos-mortos


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