Quase lá: “Nós temos ainda como horizonte sermos livres das amarras históricas desse processo de escravização"

Verônica Carvalho conversou com o BdF CE sobre o julho das pretas, mês de mobilização nacional para as mulheres negras

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte (CE) |

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O Julho das Pretas é uma ação criada pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, pela superação da desigualdade de gênero e raça - Poder 360

 

No dia 25 de julho será celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. E em alusão a data, o Julho das Pretas é realizado em todo o país com programações que contam com apresentações arte e cultura, manifestações, caminhadas, debates políticos, entre outras atividades. E para falar mais sobre o julho das pretas, vamos conversar com Verônica Carvalho, ativista cultural e representante do ponto de cultura Terreiro das Pretas.

O que é o Julho das Pretas?

Então, é uma alegria muito grande nesse dia 25 de julho, a gente começar a refletir sobre a realidade das mulheres pretas no Cariri, no Brasil e no mundo. Importante dizer que o marco desse dia foi sem dúvida nenhuma, o grande encontro de mulheres negras latino-americanas e caribenhas, que aconteceu em 25 de julho de 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, neste dia, esse grupo de mulheres se encontravam para denunciar o racismo e o machismo enfrentado pelas mulheres negras, não só das Américas mas também ao redor do mundo inteiro. Esse movimento liderado por mulheres negras conseguiu fazer com que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecesse esse dia como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

Aqui no Brasil o dia 25 de julho foi decretado em 2014, como dia de Tereza de Benguela ou o Dia da Mulher Negra, decretado pela presidente Dilma Rousseff, para celebrar a vida e a luta de Tereza de Benguela, que foi reconhecida como a rainha ao liderar o Quilombo Quariterê, no Mato Grosso. Então esse dia é marcado por esse ajuntamento de mulheres que reivindicaram direitos.

Verônica, como foi que o Julho das Pretas surgiu e qual é o seu objetivo?

O objetivo não é outro a não ser o fortalecimento das mulheres, numa ação coletiva de superação das desigualdades de gênero e de raça, colocando sem dúvida nenhuma, a mulher negra na centralidade do debate, esse é o objetivo principal, colocar as mulheres nessa centralidade.

O que ainda há para mudar, quais bandeiras de lutas devem continuar sendo levantadas e o que há para comemorar neste Julho das Pretas?

Nós temos ainda como horizonte sermos livres das amarras históricas desse processo de escravização que nos tornou desiguais, e porque não dizer até sem direitos. Nesse sentido, resistir, retomando o aquilombamento, nos lembrando da nossa ancestralidade, é também e acima de tudo um compromisso político. Então essa resistência ela deve vir, sem dúvida nenhuma, linkada com a denúncia das mazelas, da desigualdade que ainda atinge especialmente as mulheres negras, mas acima de tudo com o anúncio de reivindicação de políticas públicas, de cultura, de educação, de assistência, de trabalho. Toda e qualquer política pública que nos conduza inclusive para essa diástase do Brasil em conexão com a Mãe África. Então, esse reencontro nosso, do movimento de mulheres organizadas, de mulheres negras com a ancestralidade a partir do aquilombamento, precisa nos levar para construção dessas políticas públicas que mudem a nossa vida, que transforme essa sociedade numa sociedade que respeite os nossos direitos.

No dia 25 de julho é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Qual é a importância dessa data?

Especialmente no período pandêmico, entre 2020 e 2022, a gente não pode negar que não foi só a pandemia, mas o contexto político e social nos levou ao desmonte das políticas públicas que garantiam vida digna para a população negra, e as mulheres foram, sem dúvida alguma, as mais afetadas.

Então qual a importância realmente dessa data? É que a gente mantenha vivo, é que nos mantenhamos vivas, articuladas, mobilizadas, e que a gente aproveite essa mobilização para continuar na luta e para dizer que o combate ao racismo, a violência e acima de tudo a construção do bem viver, ainda continua sendo o nosso horizonte. A importância está nisso, em termos o foco e a certeza que só coletivamente mobilizadas vamos conseguir isso.

Como está a realidade e organização dos movimentos populares negros no Ceará, principalmente os que pautam as lutas das mulheres negras?

A organização dos movimentos populares negro aqui no Ceará, pelo menos até onde nós aqui no Cariri temos, dessa articulação do Terreiro das Pretas com o Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec), e com o Movimento Negro Unificado (MNU). Então o Terreiro das Pretas, núcleo do Grunec, assume um papel importante porque mobiliza os mais diversos coletivos e organizações e constrói coletivamente a partir de muito diálogo, uma agenda comum. Então a gente ressalta esses dois movimentos porque tem uma incidência pesada aqui na nossa região do Cariri, mas também não desconsidera outros da qual também a gente mantém uma articulação, como a Rede de Mulheres Negras do Ceará, conectada a Rede de Mulheres Negras do Nordeste, e que a gente tem feito uma discussão, denúncia e um anúncio bem importante, mantendo um vínculo com os movimentos.

Então isso é importante demais, manter esse diálogo e articulação, e construir de forma coletiva com outros movimentos e organizações esses espaços de discussão, de construção, e colocar as nossas pautas para fora, para a sociedade.

Você pode falar como está a construção do Julho das Pretas no Ceará? Qual é a programação deste ano?

Então, o Terreiro das Pretas está empenhado na construção de uma agenda. Então, nós pensamos para esse 25 de julho ou para esse mês de julho, primeiro é manter a continuidade da nossa ação e nossa missão, que é, sem dúvida nenhuma, a busca pelo bem viver. No primeiro momento nós construímos uma grande agenda estadual e regional de atividades, e vamos percorrer toda a Região do Cariri, o Terreiro das Pretas, juntamente com o Grunec, com a Casa da Mulher Cearense, vamos realizar atividades em Barbalha, em Fortaleza, vamos construir também uma agenda que nos leve a Marcha Nacional de Mulheres Negras. Então, posso dizer que já estamos em marcha há muito tempo, a nossa marcha de mulheres negras aqui no Cariri foi lançada em setembro de 2023, então continuamos em marcha.

No dia 28 de julho, nós teremos uma roda de conversa com mulheres negras, potências e resistência, que vai acontecer durante a Feira Negra, na Estação das Artes. Então é muita coisa, é uma agenda intensa e aqui eu estou só enumerando algumas atividades, mas tem muita coisa para se fazer.

Verônica, você também faz parte do Ponto de Cultura Terreiro das Pretas. Explica para gente o que é esse espaço, se está aberto para visitação, e o que fazer para conhecer mais sobre o local?

O Terreiro das Pretas é um aquilombamento formado hoje por nove mulheres, regido e inspirado pelas que vieram antes de nós e pelos que virão depois. Então o terreiro é inspirado no modo de ser e estar do nosso povo preto que resistiu ao processo de colonização. O terreiro é um ponto de cultura, ele é aberto, mas ele também é a moradia da nossa família, dos Carvalhos. Nós do Terreiro das Pretas nos consideramos uma espécie de casa-escola, onde desenvolvemos uma pedagogia relacional e cultural possível, onde pregamos que um novo mundo é possível, uma nova maneira de ser é possível. Nós acreditamos no bem viver, inclusive acreditamos que esse bem viver só é possível se mais pessoas compartilharem dessa experiência.

Aqui no nosso terreiro a gente procura manter viva as nossas produções culturais afro-brasileiras, e nesse sentido a gente desenvolve uma série de atividades, como por exemplo, o CinemÁfrica, que acontece toda noite de lua cheia. A gente tem um outro projeto que é o Caminhos do Baobá, quando percorremos todas as comunidades negras e quilombolas, que receberam o Baobá, que é uma árvore muito simbólica para o povo negro. Daí nós vamos nessas comunidades conversar com o povo, dialogar sobre as mudanças e desafios que nós, enquanto povo preto, ainda enfrentamos diariamente.

Então eu já enumero assim o Caminhos do Baobá, o CinemÁfrica, o espaço de formação e cura, aberto ao público, entre outros. E como fazer para conhecer esse local? Precisa chegar! De preferência agendar através das redes sociais ou mesmo através do telefone. E nós estamos sempre de portas abertas para receber pessoas que buscam conhecer mais sobre o espaço, sobre a nossa ancestralidade, nossos costumes. Muita gente, especialmente estudantes, professores de escolas públicas e privadas, das instituições de ensino superior, lideranças comunitárias, visitam o Terreiro das Pretas na perspectiva de divulgar nosso trabalho e a nossa maneira de fazer e de ser.

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Edição: Camila Garcia

fonte: https://www.brasildefatoce.com.br/2024/07/16/entrevista-nos-temos-ainda-como-horizonte-sermos-livres-das-amarras-historicas-desse-processo-de-escravizacao

 


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