Cândido Grzybowski

 

Cândido GrzybowskiLevamos 488 anos para reconhecer o direito coletivo dos Povos Indígenas – povos originários – a seus territórios. Mas tal direito, cláusula pétrea na Constituição de 1988 – artigos 231 e 232 – ainda continua sendo questionado e ameaçado com o absurdo do chamado marco temporal, ou seja, 5/10/1988, data de sua promulgação, como se o direito não existisse desde antes de abril de 1500, pois seus ancestrais viviam já viviam aqui. A Constituição de 1988, finalmente, restaurou um direito que lhes tinha sido expropriado violentamente desde o início da colonização e ainda continua sendo nos dias de hoje, de forma implacável.

No processo, a Pindorama dos Povos Indígenas – “território das palmeiras” – se transformou no Brasil – do “pau brasil”. Carregamos na nossa identidade de nação o nome de uma commodity, o que diz muito das bases em que nos formamos e que continuam predominantes até hoje: um país de conquistadores, desmatadores, colonizadores e escravizadores.  Historicamente, depois do pau brasil, veio o ciclo da cana de açúcar, do ouro, do café, da borracha, até chegarmos às exportações dos extrativismos mineral e agronegócio,  de hoje. Ainda continuamos praticando um colonialismo interno, com invasão de territórios indígenas e de povos tradicionais, desmatando, queimando, grilando terras, “passando a boiada”. Até quando?

Estamos diante de uma das questões centrais de reparação de direitos em nome da justiça social em contexto democrático.  Mas como é difícil diante de uma lógica dominação férrea dos “donos de gado e gente”. Nunca poderemos dissociar a conquista de terras para mineração e agronegócio da expropriação violenta, assassina e destrutiva dos próprios Povos Indígenas e Tradicionais. Como nunca poderemos esquecer o outro tenebroso braço desta história: a escravidão negra para as plantações. Também ela, como forma de trabalho, continua até hoje, de algum modo. Mas o mais grave é que nunca fizemos a reparação, apesar de legalmente termos acabado com o trabalho escravo.

Enfim, as grandes questões ecossociais que temos estão no centro de um processo que se renova para nada mudar,  pois é a base de uma economia com DNA destrutivo, que cresce conquistando e destruindo, com um modelo de desenvolvimento assentado em commodities, pois sempre a serviço da acumulação das economias centrais do capitalismo. Não temos como enfrentar democraticamente injustiças ecossociais mantendo tal base de estruturas, relações e processos econômicos. Cuidar de gente e da natureza, como Lula 3 está propondo, exige mudanças estruturais profundas. Com conciliação política, como condição do exercício do poder, vamos continuar encurralados, enquanto a boiada vai passando e destruindo.

A farsa do “marco temporal” – PL 490/2007 – revela exemplarmente a profunda contradição das estruturas e lógicas em que assentamos, tanto econômicas como políticas. O marco temporal esconde o que é: uma “farsa colonialista”.[1] Mas foi aprovado na Câmara, com 283 votos a favor, contra apenas 155. Agora está para ser votado no Senado. Tudo para constranger a retomada da votação no STF do Recurso Extraordinário 1017365, da disputa de um território indígena, em Santa Catarina, mas que será referência para todas as disputas de indígenas no país.

Temos que rever coletivamente a destruição e a exclusão que foi imposta aos Povos Indígenas como um marco de justiça reparatória para com seus descendentes. Se há um marco temporal a reconhecer é de 1500 para cá, quando portugueses aportaram no que é hoje o litoral sul baiano e implantaram a sua destrutiva lei de colonizadores contra os “bárbaros” indígenas, em nome de um eurocentrismo “civilizador”, cristão e mercantil, depois capitalista. Não podemos reverter o que foi feito no passado, mas podemos, sim, reparar e, sobretudo, com uma contribuição fundamental dos Povos Indígenas originários, poderemos estabelecer bases ecossociais para todos nós e gerações futuras.

Precisamos reconhecer também que são os Povos Indígenas e tradicionais que sabem cuidar da natureza como fonte de vida e são os que mais podem nos ajudar no enfrentamento da ameaçadora mudança climática. O que temos preservado da biodiversidade e das florestas devemos muito a eles. Somos nós que precisamos deles, mais do que eles de nós. Mas não é assim que pensa o “Centrão”, das bancadas do agronegócio e mineração, um verdadeiro câncer que vem corroendo a própria possibilidade de uma transformadora democracia em busca de justiça ecossocial. E pior ainda é constatar que o “bolsonarismo” – inimigo declarado dos Povos Indígenas – está  por aí, muito vivo,  e será o grande beneficiado se a manobra no Congresso não for barrada.

Volto a afirmar que só as cidadanias em ação poderão desempatar tal disputa. O que nos falta para agir? Será falta de convicção sobre o quanto tal agenda é fundamental? Ou esperamos que um governo encurralado encontre uma solução milagrosa? A possível solução só poderá ser política, mas a política antes de ser institucional, nas esferas do poder, está no chão da sociedade. Precisamos acordar... antes que seja tarde demais.

 

[1] Com o marco temporal o agronegócio quer fazer valer o direito indígena somente para terras em que else viviam em 5/10/1988. Vale a pena ler o que nos lembra Eder Alcantra Oliveira. “Nossa hisóoria não começa em 1988: a favor da vida e contra a tese inconstitucional do Marco Temporal”. Combate Racismo Ambiental. 30/05/2023. Ed. Vespertina

 

fonte: https://sentidoserumos.blogspot.com/


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