No primeiro episódio da segunda temporada da série “Mulheres e Justiça”, Flávia Portella Püschel fala dos resultados da reescrita de uma decisão judicial envolvendo um pedido de indenização de uma mãe que perdeu o filho para a violência policial

      JORNAL DA USP 

        Série que nasceu do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas traz a reescrita de algumas decisões judiciais a partir de olhar feminista – Fotomontagem: Jornal da USP – Imagens: Freepik

 

 
 
 

Na segunda temporada da série Mulheres e Justiça, que nasceu do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas, a professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, traz a reescrita de algumas decisões judiciais a partir de olhar feminista, resultado da proposta do projeto, que é coordenado pela professora.

Neste episódio, Fabiana traz a reescrita de uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o caso de uma mãe que pedia indenização ao Estado pela perda do filho, que foi morto aos 19 anos de idade por dois policiais militares fora de serviço. O trabalho é da professora Flávia Portella Püschel, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, com coautoria das advogadas e pesquisadoras Irene Jacomini Bonetti e Luisa Mozetic Plastino.

Flávia justifica a escolha do caso em função de ser uma tragédia do ponto de vista individual dessa mãe, exemplo de um problema social gravíssimo no Brasil, a violência policial. Essa violência, diz Flávia, não atinge todas as pessoas da mesma forma, varia conforme o sexo, a idade, a classe social e a raça das pessoas. “Enquanto a maior parte dos mortos pela polícia são homens jovens, os grupos que passam por esse luto e buscam por justiça são compostos, em sua maioria, por mulheres, por isso chamados de Movimento de Mães.”

Invisibilidade de gênero


Flávia Portella Püschel – Foto: Arquivo Pessoal

A pesquisadora lembra que as mães, sendo as principais responsáveis pela criação dos filhos, enxergam essa luta por justiça como um ato de amor, como uma continuação das suas obrigações maternas, então é o próprio contexto social que coloca a questão de gênero em relação à violência policial. “A luta dessas mulheres é uma luta pelo reconhecimento de que o Estado tirou delas o direito de ser mãe, de exercer a maternidade. O interessante é que a lei, quando define a responsabilidade do Estado por essas indenizações, é neutra, do ponto de vista de todas essas características das pessoas, a lei não enxerga nem sexo, nem idade, nem raça, nem classe social.”

O que acontece, diz Flávia, é que o direito, com essa neutralidade, quando aplicado a uma situação social na qual esses fatores são relevantes, acaba produzindo uma invisibilidade do problema e esse foi também um aspecto determinante para essa escolha. “Queríamos reescrever uma decisão mostrando que o direito é capaz de tornar invisível uma questão de gênero presente num determinado contexto, num determinado problema social.” Portanto, diz Flávia, o que torna nossa reescrita feminista, em primeiro lugar, é esse movimento de tornar visível a questão de gênero presente no contexto social e que o direito escurece.

Além de produzir uma decisão que não faça essa desvalorização e essa limitação ilegítima no exercício da maternidade, as pesquisadoras assumiram a posição da desembargadora do Tribunal de Justiça e empregaram, na decisão alternativa, só aquilo que os próprios desembargadores poderiam ter utilizado na decisão original, tanto em relação ao direito quanto em relação aos elementos de prova. Segundo Flávia, isso significa que nada foi inventado, só foi usado o direito que já estava em vigor na época da decisão original e também as provas que conseguiram acessar nos autos do processo. “Nosso objetivo era demonstrar concretamente que o resultado da decisão judicial não era predeterminado ou inevitável e que uma outra decisão sensível a essa realidade social, da violência policial e dos efeitos que ela tem sobre as mulheres, enquanto grupo social, teria sido possível.”


Fabiana Severi – Foto: CDHM/USP

A pesquisadora enfatiza que a decisão, resultante da reescrita, teria sido possível e mais conforme com o direito em vigor. “A decisão que escrevemos não tinha nenhum argumento ostensivamente discriminatório na sua fundamentação. Já os desembargadores, para resolver esse caso, usaram uma interpretação do direito que não é a mais aceita.” Em outras palavras, diz Flávia, nesse caso, o tribunal optou por uma interpretação heterodoxa das normas jurídicas que estabelecem a responsabilidade civil do Estado. “O que fizemos foi paradoxalmente usar a interpretação mais tradicional possível e, com isso, usamos uma solução totalmente diferente daquela dada pelo tribunal. O pedido de indenização foi negado tanto pela juíza, que julgou esse caso em primeira instância, quanto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Já nossa decisão, utilizando a interpretação mais tradicional, das regras de responsabilidade civil do Estado, chegou à conclusão de que essa mãe deveria ser reparada pela morte do filho.”

A pesquisadora conclui que “produzir uma decisão judicial sensível à realidade social em que está inserido o conflito que se apresentou ao Judiciário impede que o direito se transforme simplesmente no modo de legitimar e perpetuar desigualdades que estão na sociedade. Essa é a grande contribuição que as perspectivas feministas podem trazer para o direito e especificamente para o momento da aplicação do direito pelo Poder Judiciário.”

Ouça o player e leia sobre os episódios da primeira temporada aqui.

Por: Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira


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fonte: https://jornal.usp.br/atualidades/o-direito-nao-pode-tornar-invisivel-uma-questao-de-genero/


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