Durante a sessão da Câmara de Vereadores de Florianópolis (SC) da última quarta-feira (7), a vereadora Carla Ayres (PT) foi assediada pelo também vereador Marquinhos (PSC).

 

Por Portal Catarinas

 

Por Daniela Valenga, Fernanda Pessoa e Paula Guimarães.

Durante a sessão da Câmara de Vereadores de Florianópolis (SC) da última quarta-feira (7), a vereadora Carla Ayres (PT) foi assediada pelo também vereador Marquinhos (PSC). Ayres compartilhou o momento da violência nas redes sociais. O vídeo mostra Marquinhos abraçando e beijando a vereadora no rosto, que responde com um movimento para afastá-lo. Nas redes sociais, o vereador do PSC pediu desculpas.

O assédio aconteceu no mesmo dia em que os parlamentares aprovaram a criação da Procuradoria da Mulher na Câmara Municipal. Ayres relata que estava conversando sobre outro projeto com vereadores aliados ao governo, Jeferson Richter Backer (PSDB), Maikon Costa (PL) e Gabriel Meurer (Podemos), quando Marquinhos começou a fazer piadas.

“O Marquinhos o tempo todo muito fanfarrão no plenário, com uma postura de torcida, como se eu estivesse perdendo uma discussão para base do governo. Enquanto eu descia da tribuna, conversei com o Jeferson até sobre votar o projeto ontem mesmo, para não adiar”, detalha a vereadora. Foi quando aconteceu o momento que é possível ver no vídeo compartilhado.

“Quando eu passei ao lado do Marquinhos, ele fez uma gracinha como ‘ah perdeu a discussão’, eu nem me lembro exatamente o que ele falou, mas nesse sentido. Eu respondi ‘para Marquinhos, essa é uma discussão séria, não é torcida, para de ser infantil’, algo nesse sentido. E aí me virei, ele veio por trás e fez aquilo”, conta em referência ao momento que é abraçada e beijada no rosto sem consentimento.


Frame do vídeo | Crédito: reprodução YouTube.

 

No vídeo, é possível observar o desconforto de Ayres, que rapidamente se afasta de Marquinhos. “Eu dei uma cotovelada pra sair daquele ato ali e disse ‘está maluco cara? Nunca te dei liberdade pra isso’”.

A vereadora fala que só após o fim da sessão, teve noção que aconteceu um ato de assédio.

“Vai caindo a ficha que foi um ato extremamente chato, violento, constrangedor, vexatório e até nojento”.

Em nota oficial, divulgada nesta quinta-feira, a vereadora informou que irá encaminhar à Mesa Diretora uma representação para que convoque imediatamente a Comissão de Ética da Câmara de maneira que se manifeste acerca da quebra de decoro. “Também irei registrar um Boletim de Ocorrência pelos crimes de importunação sexual e violência política de gênero, para que o parlamentar seja responsabilizado por seus atos” afirmou.

Ainda em nota, Ayres reiterou sua disposição em continuar lutando contra a violência política de gênero e todas as formas de violência direcionadas às mulheres. “Não iremos retroceder, nem silenciar na busca por responsabilização pessoal e institucional decorrente de práticas violentas contra as mulheres do nosso país”.

Para a jurista Soraia Mendes, as imagens não deixam margem para dúvidas sobre o crime de importunação sexual: “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. “Sem dúvida alguma, como muito bem mostram as cenas registradas no plenário no exato momento em que a vereadora Carla Ayres é interpelada por um colega de parlamento configuram crime de importunação sexual, nos termos do que está previsto no artigo 215-A do Código Penal Brasileiro”, explicou ao Catarinas.

Pelas redes sociais, Marquinhos pediu desculpas e disse não perceber no momento que se tratava de um assédio. “Reconheço meu erro em abordar a vereadora de maneira inconveniente, sem a sua autorização, e diante disso peço minhas sinceras desculpas a ela e a todas as mulheres que se sentiram ofendidas pelo meu ato. Ressalto que em nenhum momento agi de maneira mal-intencionada, porém, fui infeliz em invadir o seu espaço. Levarei essa atitude equivocada como um aprendizado, compreendendo essa situação e repudiando toda forma de assédio”, escreveu.

A Câmara de Vereadores de Florianópolis ainda não se manifestou sobre o caso. O Partido dos Trabalhadores (PT) de Florianópolis escreveu que repudia o “assédio à nossa vereadora Carla Ayres e a qualquer pessoa”.

Caso Isa Penna

Em dezembro de 2020, um caso de assédio contra uma parlamentar da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) repercutiu em todo o país. A deputada Isa Penna (PcdoB e PSOL à época) foi assediada pelo deputado Fernando Cury (Cidadania à época). 

Em um vídeo durante uma sessão da Alesp, Penna conversa com o presidente da Alesp na época, quando Cury se aproxima da mesa, atrás da deputada e coloca a mão na lateral dos seios da deputada. Penna rapidamente o empurra e afasta.

A deputada entrou com um pedido de cassação do deputado. Mas, a decisão dos parlamentares da Alesp, em abril de 2021, foi pela suspensão durante seis meses de Cury.

“Deixamos um recado para a sociedade: a Alesp não aceitará assédio, nós, mulheres, não iremos aceitar assédio, seja ele moral, sexual ou psicológico! Estaremos lado a lado com todas as mulheres”, comemorou Penna no dia da decisão.

Quem assumiu a vaga de Cury foi um suplente da coligação e Cury ainda podia trabalhar no gabinete. Após o período de suspensão, Cury voltou a atuar como deputado. Nenhum dos dois foram reeleitos em 2022. 

 
Portal Catarinas

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fonte: https://catarinas.info/vereadora-e-assediada-durante-sessao-da-camara-de-florianopolis/

 

 

A propósito da matéria do Catarinas para a qual contribuí analisando a conduta assediadora do vereador Marquinhos contra a vereadora Carla Ayres, em Florianópolis (SC), gostaria de aprofundar algumas reflexões de natureza dogmático penal que me parecem urgentes.

Sem dúvida alguma, como muito bem mostram as cenas registradas no plenário no exato momento em que a vereadora é interpelada pelo colega de parlamento, a conduta configura crime de importunação sexual, nos termos do que está previsto no artigo 215-A do Código Penal Brasileiro.

Mas, observem que o dispositivo legal prevê como criminosa a conduta de quem “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.

Com base no tipo, seguramente, também não tenho dúvidas, de que não faltarão juristas a dizer ter faltado ao agressor o ânimo de “satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.

Imagino, inclusive, que o farão baseados em uma interpretação “clássica”, mas, digo eu, limitada, de que lascívia significa a propensão para a luxúria e/ou uma expressão de sensualidade exagerada ou de lubricidade.

E suponho, enfim, que entenderão que “embora reprovável e blá-blá-blá” o ato não constitui crime.

Não, não, não. Vamos pensar juntas e juntes!

A pré-compreensão de que o “prazer masculino” vincula-se necessariamente ao falo é algo que precisa ser superado.

Há um gozo, não somente do agressor, mas dos que o cercam e riem do ocorrido, ao ver uma mulher submetida e constrangida com atos ligados ao seu corpo.

Entre os homens um abraço, ainda que não querido e não consentido – e, principalmente, em um espaço público de poder, em absoluta regra significa o reforço da masculinidade pelo apoio mútuo. Daí porque atos como esse ocorrem (se ocorrem) são capazes de provocar risos de satisfação. 

Já em relação às mulheres esse mesmo ato, igualmente gerador de risos (dos demais homens que o presenciam!), o mesmo ato opera como um instrumento de submissão pela vexação da vítima e pela pretensa superioridade do agressor.

A interpretação do que é lascívia trata-se, portanto, de entender o que é poder e a satisfação que o exercer em relação ao corpo de uma mulher gera no agressor.

O ato praticado contra a vereadora Carla tem, em seu âmago, o mesmo mote do estupro utilizado seja como “arma” em situação de guerras, seja como um mecanismo de tortura de opositoras políticas.

O prazer, o gozo, ou seja, a lascívia do militar na guerra ou do torturador que estupra uma “inimiga” ou “militante de esquerda” está no poder que exercem naquele momento em que a destitui de sua condição de nacional ou de oponente política.

A satisfação está em exercer e reafirmar seu poder desempoderando-a. Mostrando a ela que nada, absolutamente nada é mais seu. Nem seu corpo, nem seu querer, nem seu consentir, nem seu prazer.

De igual modo, o prazer, o gozo, ou seja, a lascívia de um parlamentar que abraça, beija, cheira o pescoço ou passa a mão pelo corpo de uma colega é o de vê-la diminuída, acuada… De vê-la desempoderada.

Em síntese, para bem interpretar o tipo penal é preciso desconstruir as bases doutrinarias e jurisprudenciais de que se valem os homens, em defesa dos homens.

Somente sob esta perspectiva, que nada mais é do que um avanço civilizatório, é que se poderá compreender que nunca é só uma brincadeira.

Foi crime, sim!

Solidariedade à vereadora Carla Ayres!

Foi crime, sim! Em solidariedade à vereadora Carla Ayres!

 
Soraia Mendes

Soraia Mendes é jurista, doutora em Direito, Estado e Constituição com pós-doutorado em Teorias Jurídicas Contemporâneas, mestra em Ciência Política, com atuação e obras reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

fonte: https://catarinas.info/colunas/foi-crime-sim-em-solidariedade-a-vereadora-carla-ayres/

 


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