mulheres negras1Elas concentram as tarefas de cuidados e são as principais vítimas de agressões e feminicídios. Seus filhos morrem de violência policial. Mas, através do feminismo, apostam: organizando podemos desorganizar a ordem vigente

 

Por Cfemea, na coluna Baderna Feminista

Chegamos ao 20 de Novembro de 2021 na peleja para que o grave problema do racismo estrutural no Brasil ganhe centralidade no debate político frente as lutas de resistência contra o atual governo, seu gabinete do ódio e no debate eleitoral em 2022.

A seara da resistência que luta na tentativa de suplantar o bolsonarismo e sua herança maldita, é uma luta também entre pares, entre urgências, prioridades e prevalência de visões de estratégias, como se na luta cotidiana para viver e para não morrer, coubessem hierarquias e negociações – os corpos das crianças negras, das mulheres e das travestis falam por si só.

A realização de atos em todas as capitais brasileiras, e diversas cidades pelo interior do país e também em outros países, como Itália, Alemanha e Portugal, demarcaram o Dia da Consciência Negra e clamou por “Fora Bolsonaro”. Mas a realização desses atos se deu em meio a disputas políticas e debates para trazer lucidez a arena da resistência, jogar luz na realidade de vida do povo negro no Brasil.

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Felizmente teses partidárias não se impuseram diante da urgência em denunciar e combater o racismo, entranhado na sociedade brasileira. O racismo e o grave problema do genocídio da infância e juventude negra, revelada recentemente com toda a sua crueldade, pelo Panorama da violência letal e sexual contra crianças adolescentes no Brasil, se manifestaram por todo o Brasil.

De acordo com o levantamento, 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortas de forma violenta no Brasil. Destas, mais de 31 mil eram adolescentes, 80% negros, que foram mortos fora de casa, por armas de fogo, e significativamente, por intervenção policial.

Além da violência e da morte de jovens negros, é a população negra o alvo central também de outras mazelas sociais, como o desemprego – só como mais um exemplo da gravidade das consequências do racismo nas vidas da maioria da população brasileira. Divulgado no dia 19 de novembro, um boletim especial do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), mostrou que 8,9 milhões de brasileiros que perderam ou deixaram de procurar emprego entre o 1º e o 2º trimestre de 2020, 6,3 milhões eram negros, o equivalente a 71,4%.

O patriarcado como sistema de dominação também se utiliza da violência sexista para sujeitar outra maioria populacional, nós mulheres. Em outros textos falamos de como a sociedade brasileira é forjada no uso da violência como elemento fundador da nação Brasil.

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De um país extremamente violento, passamos a ser ainda mais violentos nos últimos dois anos, a junção perfeita entre bolsonarismo e pandemia. O assassinato de nós, mulheres, é cotidiano de nossa existência. Ainda mais se formos negras, cruzamento clássico do racismo patriarcal em nossas existências. Às vésperas do dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres, 25 de novembro, alertamos para a necessidade de enxergamos o tanto que o ódio a nós não pode ser perpetuado, negociado e deixado de lado nas agendas políticas que buscam saídas ao fascismo, crescente em nosso sistema político.

Combater a violência é condição de países governados de forma livre de opressões sistêmicas. Chegamos no mês de novembro, na centralidade da luta antirracista e pelo fim da violência contra as mulheres, logo após o setembro indígena que tivemos em Brasília – que foi ocupada e transformada pela presença de indígenas de todos os cantos do país, de diferentes etnias – onde a denúncia contra a recorrente violência contra as meninas indígenas, contra mulheres e homens também teve centralidade em suas falas e proposituras.

Se a pandemia evidenciou o quanto subvalorizamos e invisibilizamos a conciliação da vida familiar com o trabalho necessário para o bem-estar das pessoas – isto é o cuidado na forma de organização de nossas sociedades –, muito pouco se refletiu sobre como ter legislação e políticas de cuidado no país, ou sobre a necessidade de coresponsabilização do cuidado entre homens e mulheres, no âmbito familiar e também no trabalho, empresas e Estado – não que esperássemos isso dos que regem o poder racista patriarcal antipovo, mas ao menos de nossa sociedade.

Iniciativa do Observatório Direitos Humanos e Crise Covid, articulada pelas organizações feministas e de mulheres negras, relata em estudo como o ônus da pandemia recai sobre nós, mulheres, mais ainda quanto mais empobrecidas e se formos negras.

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A partir de uma pesquisa com ativistas feministas de diferentes coletivos, organizações e movimentos, a ser divulgada nos próximos dias, vemos como as mulheres dedicam ainda mais tempo para as tarefas de cuidado em casa, com filhos e filhas, e de quem não pode se autocuidar. Ao mesmo tempo que aumentam as demandas por cuidar das companheiras de luta, realizar ações de solidariedade e de cuidado coletivo, de acolhimento de mulheres em situações diversas de violência.

Desmontar a tentativa de flexibilização crescente no campo da esquerda nas “agendas” das mulheres, povo negro e população LGBTQI+, que visam a construção de uma plataforma política forjada como palatável para a efetivação das coalizões eleitorais em 2022, é a missão dos principais movimentos sociais que fervem no coração da fogueira neoconservadora e sua pauta moral.

O constrangimento da esquerda brasileira em encarar o neoconservadorismo brasileiro, ultraliberal, neopentecostal e militarista, a faz rotular como pautas identitárias, ignorando por exemplo os absurdos números do feminicídio, assim como a existência de uma movimentação das mulheres para enfrentá-lo: o Levante Feminista Contra o Feminicídio, que também neste 25 de Novembro propõe o plantio de girassóis pelas cidades brasileiras em memória das mulheres assassinadas por seus relacionamentos afetivos, completamente desassistidas de uma politica de prevenção a violência.

As mulheres brasileiras estão lançadas à própria sorte, sem uma política pública que enfrente qualificadamente a situação – o que demostra a importância das redes de apoio e acolhimento entre mulheres que crescem, se reconstroem diante da guerra contra nossos corpos e vidas.

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Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas. Em Brasília, a Câmara Legislativa do Distrito Federal concluiu em março de 2021 os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, que apurou durante 11 meses, entre 2019 e 2020, as circunstâncias de 50 feminicídios e 149 tentativas de assassinatos. Destas mulheres, 80% eram negras e pardas.

O relatório final apresentou 80 recomendações, que dentre elas originou a criação de uma política para os filhos das mulheres vítimas de feminicídio, o Programa Órfãos do Feminicídio – Atenção e Proteção, ainda não implementada pelo governo distrital.

O feminismo brasileiro segue denunciando que a principal questão que afeta a vida de milhares de meninas e mulheres brasileiras, é sistematicamente subalternizada pela esquerda, como estratégia de conquista dos segmentos conservadores da sociedade brasileira. Os interesses de viver melhor com segurança, justiça, autonomia, liberdade e dignidade da maioria da população brasileira, é ponto central de ataque da agenda conservadora, e forçadamente apagada no campo da esquerda.

O que nos salva é o esforço de mulheres políticas feministas, de ativistas negros e negras, de mulheres indígenas e quilombolas, de camponesas que fazem deste conjunto de problemas eixo central de seu ativismo por direitos humanos.

O que também nos salva é a sororidade que temos entre mulheres, ativistas, irmãs, trabalhadoras, mães, brasileiras que se fortalecem nas iniciativas coletivas de resistência a tudo que estamos vivendo – nas denúncias, nos ajuizamentos, no acolhimento, na revolta em atos de manifestação, na elaboração e divulgação dos nomes das milhares de crianças, jovens e brasileiras sob o constante alvo da violência racista patriarcal estatal e societal, conjugal e doméstica, dentre tantas outras iniciativas de resiliência que permitem enfrentar uma parte do ódio contra nós mulheres e população negra, LGBTI+.

Que o sábado de manifestação do 20 de novembro – um dos poucos reconhecimentos a lutadores negros como foi Zumbi, e como foi Dandara e Acqualtune na história brasileira — contra este governo racista e da morte, genocida, feminicida e etnocida seja potente na sua propositura de resistência para existir. Para milhares de brasileiras e brasileiros é só se organizando que podemos desorganizar a ordem vigente – um salve a Chico Science!

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