Quase lá: "A UnB é democrática por natureza", afirma a reitora, Rozana Neves

Ao Correio Braziliense - CB.Poder, a gestora destacou o caráter plural da instituição e os 40 anos da redemocratização. Falou ainda sobre a greve dos servidores técnico-administrativos, que pode ocorrer a partir de quinta-feira. Aulas serão retomadas dia 24

 

 
Luiz Fellipe Alves
postado em 18/03/2025 02:00 - Correio Braziliense
 
 
Na bancada do CB.Poder, as jornalistas Ana Maria Campos (D) e Adriana Bernardes entrevistam a reitora da UnB, Rozana Naves -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Na bancada do CB.Poder, as jornalistas Ana Maria Campos (D) e Adriana Bernardes entrevistam a reitora da UnB, Rozana Naves - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Os 40 anos da redemocratização do Brasil e o papel da Universidade de Brasília (UnB) em defesa da democracia foram temas do CB. Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília —, desta segunda-feira (17/3), que teve como convidada Rozana Naves, reitora da instituição. Às jornalistas Ana Maria Campos (D) e Adriana Bernardes, ela também destacou o trabalho desenvolvido para o início do semestre letivo, projetos para a valorização feminina no campo científico e a instalação do Comitê de Enfrentamento à Desinformação.

Outro assunto abordado foi a posição da UnB em relação às ações de um grupo de alunos que, identificando-se como de direita, apagou manifestações de outros estudantes com pensamento diferente. O episódio ocorreu na sexta-feira (14/3), no câmpus da Asa Norte, e a instituição rechaçou atos de intolerância. Rozana Naves comentou ainda sobre a greve dos servidores técnico-administrativos, que podem parar na quinta-feira (20/3). Aulas começam em 24 de março.

Vivemos em um momento no qual a democracia ainda é um debate e há ameaças. Qual foi o papel da UnB no processo de redemocratização que o país viveu?

A Universidade de Brasília, historicamente, posiciona-se nesse campo de defesa à democracia. Nós também estamos planejando comemorar os 40 anos de redemocratização da própria universidade, as primeiras eleições para reitor. Eu costumo dizer que a universidade é uma instituição democrática por natureza. Fazemos consultas à nossa comunidade, desde a eleição para reitor até os representantes dos centros acadêmicos. Então, em todas as instâncias, o exercício democrático faz parte do cotidiano da universidade. Além disso, a formação para a cidadania que a gente oferece por meio da nossa educação superior também pretende alcançar indicadores importantes no comprometimento da sociedade com as práticas democráticas no nosso país. 

O Comitê de Enfrentamento à Desinformação foi instalado em 8 de janeiro deste ano. Como será a atuação desse Comitê e como ele vai envolver a comunidade?

O Comitê é um marco institucional para as instituições brasileiras desde a tentativa de golpe em 2023. A Universidade de Brasília já vem contribuindo em projetos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que foram importantes nos últimos anos para consolidar um arcabouço de enfrentamento à desinformação. A gente deve lançar o primeiro edital em 31 de março. A ideia é que a própria comunidade universitária possa propor ações de desenvolvimento de atividades nas unidades acadêmicas e em articulação com a comunidade externa. Então, a gente entende que o enfrentamento à desinformação passa, primeiro, por oferecer à sociedade informação de qualidade. A universidade produz muita informação, produz muita ciência e produz soluções para os problemas da sociedade. Entendemos que uma das linhas de ação pode ser a popularização da ciência. Outra linha é a do enfrentamento às informações falsas que circulam, seja pelas redes ou mesmo no senso comum pelas comunidades. Levar a possibilidade de as comunidades realizarem o letramento digital da sociedade é importante para que a própria comunidade saiba distinguir o que é informação falsa do que é a informação útil para tomada de decisão.

Qual será o principal tema desse retorno às aulas? Há alguma greve programada para esse retorno?

A gente teve uma preocupação de ampliar o hall de atividades, especialmente em relação à arte e à cultura. Estamos em uma parceria profícua com o Comitê de Cultura do DF, e vamos ter várias atividades sendo desenvolvidas nos câmpus. Queremos discutir a relação entre a geração que ingressa na universidade e o mundo do trabalho. A gente quer concentrar as atividades para fora dos auditórios, para fora da sala de aula, e nisso temos tido a colaboração das unidades acadêmicas como um todo. Sobre a greve, temos uma ação judicial que já vem se estendendo há mais de 30 anos e houve uma decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovando os termos de liminar da sentença em favor de docentes e técnicos. A decisão para os técnicos ocorreu em novembro e a gente ainda não teve a implementação efetiva desse percentual, que é uma parcela significativa dos vencimentos dos trabalhadores. A tese aprovada pelo STF é a da segurança jurídica, ou seja, qualquer família que tenha hoje 26,05% da sua renda extinta nesse momento, geraria bastante dificuldade. O sindicato dos trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília recorreu mais uma vez ao STF, portanto, a greve vai depender muito de como as coisas andam em termos de respostas efetivas para a implementação dessa parcela. Então, a gente precisa realmente aguardar a assembleia de quinta-feira para saber qual vai ser a deliberação deles.

Vivemos uma situação no país em que sentimos uma intolerância muito grande em uma polarização muito forte entre esquerda e direita. A politização em si não é maléfica, mas o problema é a intolerância ao diferente, o seu oposto. Como a sua gestão pode contribuir para evitar que esse clima de confronto se instale também na UnB?

O primeiro passo é a gente internalizar a ideia de que a universidade desenvolve muitas atividades que são direcionadas para a sociedade, que são realizadas em prol da solução dos problemas que vêm de fora A gente tem uma origem vanguardista no pensamento de Darcy Ribeiro, de Anísio Teixeira. Darcy dizia muito isso, pensar o Brasil como problema. Então, a universidade que se mostra para a sociedade como aquela em que há uma parceria entre o campo científico e o campo dos saberes externos, que vêm oriundos das comunidades, e nessa parceria constrói coletivamente um saber, ela está desenvolvendo também uma forma de política e de politização que é aquela original, a da pólis, da cidade. Ou seja, desenvolvendo a capacidade de diálogo também entre os saberes que são construídos cientificamente na universidade e os saberes que circundam a nossa comunidade e os problemas que estão lá na sociedade. De fato, a intolerância deve ser rechaçada em todos os níveis. A universidade tem que trabalhar por uma cultura de paz, pelo desenvolvimento de propostas positivas para o país, para a redução das desigualdades, para a redução dos problemas que são os efeitos das emergências climáticas. Então, há grandes temas que precisam ser trabalhados e qualquer tipo de intolerância, de violência, mesmo no campo político, não contribui para nada disso.

A UnB emitiu uma nota em relação a uma atividade de um grupo de alunos da UnB, apagando manifestações que havia na universidade e sobre as quais eles eram contrários. Fale sobre essa nota, da importância de haver esse respeito, de a discussão ficar no campo das ideias, no debate.

O próprio projeto de gestão participativa que a gente inicia desenvolvendo essa semana traz essa perspectiva de trabalhar a comunidade para que possamos debater ideias no campo democrático. Ou seja, a democracia é essa possibilidade que a gente tem de desenvolver o pensamento, de confrontar ideias com respeito, com tolerância, de forma a avançar no conhecimento. E qualquer prática que venha a ser impositiva, autoritária, representa realmente um ataque a esses valores democráticos que a instituição, as universidades, de maneira geral, preconizam e que é a nossa essência enquanto uma República. Portanto, qualquer debate de ideias tem que ser feito de forma a não romper os avanços civilizatórios que a gente vem alcançando ao longo dos tempos. A universidade tem estado muito atenta a essas práticas. A gente tem atuado institucionalmente para coibir práticas dessa natureza e queremos uma semana de boas-vindas muito tranquila. Estamos trabalhando intensivamente para que as atividades ocorram de forma plena e que a recepção aos novos estudantes seja feita pelas unidades, com as atividades acadêmicas e culturais que a universidade pode oferecer e que a comunidade deve aproveitar.

Em quatro meses de gestão da senhora, quais foram as principais medidas adotadas?

No campo da gestão, ampliar a participação das unidades e ouvir a comunidade tem sido o maior desafio deste início, queremos manter como uma proposta de gestão. Lançamos essa semana o projeto de gestão participativa, no qual tem uma equipe trabalhando há um mês. A ideia é a gente implementar mecanismos de gestão participativa para discutir grandes temas da universidade e fazer isso junto com a comunidade acadêmica. Neste mês, também estamos com uma programação relativa ao Mês das Mulheres com o tema de enfrentamento ao assédio. É uma pauta também muito importante para nós, para além da equidade de gênero, que sempre é debatida no mês de março. Então, estamos com o edital aberto para a comunidade também propor materiais de campanha para o enfrentamento do assédio. Devemos desenvolver cursos para os gestores nessa temática. Do ponto de vista da infraestrutura, fizemos uma grande reorganização na universidade e estamos conseguindo reduzir enormemente o número de órgãos de serviço em aberto. Isso vai gerar um impacto agora para o primeiro semestre de 2025 relativo à instalação das turmas. Temos problemas históricos com esse encaixe de turmas em salas de aula e, com a recuperação da infraestrutura de várias salas, vamos conseguir praticamente reduzir o número de salas e de turmas não alocadas de mil no último semestre para 20 turmas.

A UnB completará 63 anos. Como é ser a segunda reitora em todo esse tempo de universidade?

É importante dar continuidade às mulheres na gestão. A gente tem tentado ampliar a perspectiva da gestão nas unidades administrativas à participação das mulheres. Desenvolver a liderança feminina nos diversos setores não é fácil. A gente sabe que há setores que têm uma tradição de privilégio dos homens. Por exemplo, nas atividades científicas, embora hoje a gente já tenha uma maioria de projetos liderados por mulheres e mesmo tendo coordenação por mulheres em projetos de algumas áreas, é restrita. É preciso um conjunto de ações que induzam à participação das mulheres em nichos específicos. Já é um caminho que a Universidade de Brasília vem percorrendo, mas um conjunto de ações, e acho que a temática do "8M" deste ano vai ajudar bastante a gente a problematizar essas diferenças. Tivemos a grata oportunidade de participar do Prêmio CNPq Mulheres e Ciência e foi premiada a professora Débora Diniz, na área de Ciências Sociais e Humanidades. E isso projeta a figura da mulher no cenário nacional e internacional. A gente espera que tudo isso sirva de farol para as meninas e as mulheres que estão iniciando o seu percurso na ciência.

Veja a entrevista na íntegra:

 

*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso

 

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