Três provinciais jesuítas na Bolívia foram formalmente indiciados pelo Ministério Público por supostamente encobrirem abusos perpetrados pelo ex-arcebispo, jesuíta, Dom Alejandro Mestre, de La Paz, na década de 1960.
IHU
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 13-08-2024.
A Associação Boliviana de Vítimas e Sobreviventes de Abuso Sexual Eclesial elogiou a medida, mas espera adicionar mais denúncias à investigação atual. O padre Bernardo Mercado, de 43 anos, provincial dos jesuítas no país sul-americano, o padre Osvaldo Cherviches, de 52 anos, que foi provincial entre 2014 e 2018, e o padre espanhol Ignacio Suñol, de 81 anos, que foi provincial entre 2019 e 2022, estão sendo investigados oficialmente por não levarem o caso de Alejandro Mestre às autoridades.
De acordo com um comunicado de imprensa divulgado pelo gabinete do promotor, Chirveches, que era então responsável por “ambientes saudáveis” na cúria provincial – departamento encarregado de lidar com acusações de abuso –, foi informado em novembro de 2021 do caso de abuso de Mestre. O jesuíta nascido espanhol era professor em 1961, quando supostamente abusou de um menor duas vezes. Mestre morreu em 1988.
Chirveches enviou o caso ao então provincial Suñol, que ordenou a abertura de um processo canônico. A investigação foi coordenada por Chirveches, que recomendou que o caso fosse encerrado. Mercado, o atual provincial, concordou em fazê-lo. Os promotores e a polícia não foram informados sobre a acusação contra Mestre.
Os três jesuítas foram informados pelo judiciário para não deixar o país e nem entrar em contato com as vítimas, devendo se apresentar a um juiz designado quando forem informados. “Esse é um passo na direção certa”, disse Edwin Alvarado, membro fundador da Associação de Vítimas, ao Crux. “Mas agora queremos demonstrar que os três foram repetidamente culpados de encobrir casos de abuso”, acrescentou.
Segundo Alvarado, a associação tem evidências de que os três jesuítas sabiam de tudo sobre os abusos perpetrados por vários padres, incluindo Luis María Roma, que abusou sistematicamente e tirou fotos de centenas de meninas indígenas entre 1994 e 2005, e Alfonso Pedrajas, que descreveu em seu diário dezenas de abusos perpetrados por ele ao longo de décadas.
A descoberta do diário de Pedrajas e um artigo publicado pelo jornal espanhol El País ano passado causaram grande comoção na Igreja boliviana e levaram à denúncia de vários outros abusos cometidos por jesuítas. O grupo de sobreviventes foi formado durante a avalanche de denúncias contra a Companhia de Jesus, pois muitas vítimas perceberam que havia um padrão na forma como seus casos eram tratados pela Congregação, de acordo com Alvarado.
“Falei com Chirveches em janeiro de 2023, antes do artigo do El País”, disse Alvarado. Ex-aluno da escola João XXIII em Cochabamba, onde Pedrajas trabalhou por décadas, Alvarado foi abusado pela primeira vez por ele quando tinha 14 anos. Ele diz que foi vítima novamente, em outros graus, de outros dois padres jesuítas.
“O primeiro problema que notei foi que Cherviches mudou o título do meu documento, que era uma denúncia, para um 'testemunho'. Ele também fingiu que não sabia o nome de outro padre que eu estava acusando, Francesc Peris”, disse Alvarado. Ele então teve que relatar todos os seus sofrimentos a uma comissão nomeada por Chirveches, algo que o deixou terrivelmente desconfortável.
“Naquele ponto, eu ainda não tinha ouvido falar de 'revitimização', mas foi isso que eles fizeram comigo. Eles me perguntavam isso e aquilo sem tomar cuidado. Era sobre o pior momento da minha vida que eu estava falando”, ele disse.
No fim, Chirveches perguntou-lhe o que ele queria, Alvarado lembrou. Ele respondeu que queria apenas uma carta pública de desculpas assinada pelos jesuítas, na qual eles reconheciam os crimes perpetrados por eles. “Chirveches olhou para mim com supremo desprezo e disse que 'todo mundo quer alguma coisa aqui, seja dinheiro ou um emprego'. Essa foi uma agressão inesperada”, disse Alvarado.
Conforme ex-alunos da João XXIII se conheceram e compartilharam suas histórias, a associação começou a nascer. Ela agora tem 23 membros, mas várias vítimas entraram em contato com ela. O grupo tem participado de uma série de iniciativas para fazer com que a Companhia de Jesus na Bolívia seja responsabilizada institucionalmente por tantos casos de abuso.
“Entre nossos objetivos está que todos os padres sejam expulsos das escolas e que os jesuítas sejam obrigados a fechar seus órgãos internos para lidar com casos de abuso, que devem ser analisados exclusivamente pelas autoridades bolivianas”, explicou Alvarado.
O padre Sergio Montes, porta-voz dos jesuítas no país, disse ao Crux que a congregação ainda não foi oficialmente notificada sobre a acusação de dois dos três padres, por isso ainda não pode fazer uma declaração pública.
Em um artigo publicado pela agência de notícias Fides em 9 de agosto, a advogada Audalia Zurita, advogada da Companhia de Jesus, disse que a acusação de crime contra Bernardo Mercado é “irracional”, já que o abusador morreu e o provincial só soube do crime muito tempo depois de sua morte.
“É por isso que não pode haver encobrimento de forma alguma, ninguém que morreu pode ser perseguido penalmente, e a responsabilidade é pessoal, não é herdável pelos filhos, amigos ou colegas”, disse Zurita, segundo a Fides.
O artigo descreveu como a acusação contra o Alejandro Mestre foi recebida em 2021, todas as medidas tomadas após a entrevista com a vítima e as recomendações recebidas da Cúria Geral em Roma, que consulta o Dicastério para a Doutrina da Fé.
A conclusão foi anunciada em 25-01-2023 e estabeleceu que, como o Mestre morreu em 1988, o processo canônico não poderia ser levado adiante.
Em fevereiro de 2023, os jesuítas entraram em contato com a Conferência Episcopal, a Arquidiocese de La Paz e a Nunciatura Apostólica, devido ao fato de Alejandro Mestre ter sido bispo auxiliar em Sucre (1976-1982) e arcebispo de La Paz (1982-1987). Nenhuma outra vítima em potencial se manifestou até agora, disse o artigo. O processo foi apresentado ao Ministério Público em maio de 2024, segundo os jesuítas – após o escândalo dos Pedrajas.
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