Um 25 de julho para nos lembrar quem somos

Priscilla Brito
Assessora técnica do Cfemea

Há alguns anos, estivemos às voltas com a criação de uma linha do tempo do feminismo no site da Universidade Livre Feminista. Partimos do pressuposto de que a linha de um site jamais daria conta da nossa história, mas em tempos de imediatismo, ansiedade, apagamento de memórias coletivas – dentre outras questões dos tempos de hoje –, ainda assim fazia sentido um instrumento como esse para as formações.

Mas foi impossível não nos frustrarmos com os textos que falavam sobre o “início” do feminismo. Mesmo as mais dispostas a considerar as lutas das mulheres antes das manifestações pelo direito ao voto, era uma história sobre a importação das lutas das mulheres europeias e norte-americanas, interessadas em fazer parte da vida política, até então privilégio dos homens. Um dos poucos textos mais curtos que tinham uma perspectiva diferente era um texto da Ana Claudia Pereira, para o Blogueiras Feministas, em que ela diz:

“Feminismo” consolidou-se como o termo mundialmente conhecido para falar da luta das mulheres pela emancipação a partir da mobilização de europeias e norte-americanas. Reivindicando melhores condições de vida, imaginavam um mundo melhor a partir de suas próprias experiências sociais: para as operárias, a prioridade era adquirir direitos, enfrentar a exploração capitalista, melhorar as condições de trabalho nas fábricas; para as mulheres de elite, o termo muitas vezes esteve associado à demanda de mulheres brancas e ricas pela participação no mundo de privilégios sociais de homens também brancos e ricos. “Feminismo” foi, desde sempre, um termo disputado por diferentes projetos de sociedade, alguns mais igualitários, outros menos. Viajando por muitos caminhos, conferiu ferramentas importantes para as lutas das mulheres latino-americanas, fossem elas novas ou antigas. E, ao criar raízes na região, ganhou a cara da nossa diversidade, moldou-se de acordo com a imensa desigualdade racial e social que caracteriza nossos países.

Mesmo que hoje o feminismo nos pareça mais amplo e diverso, ainda precisamos questionar as nossas referências sobre sua origem. Podemos concordar com as teorias de movimentos sociais, que colocam que tal como os conhecemos hoje, movimentos e protestos surgiram no final do século XIX e início do século XX, porque são uma forma de ação coletiva que surge com o Estado Moderno. Mas isso não significa que as pessoas não tenham lutado contra esse Estado que surgia ou para disputar o seu sentido.

Para nós, que vivemos os processos de colonização e escravidão, a luta contra o Estado começou com a luta pela verdadeira liberdade, incluindo a de negros e indígenas. E também as lutas pela independência e contra o Estado Republicano, que para se impor banhou de sangue as nossas terras. Um feminismo antirracista não pode, portanto, deixar de considerar as lutas que vieram antes do movimento sufragista, a reivindicação de liberdade e de igualdade que estavam presentes em toda a luta pela sobrevivência. Porque o feminismo não está presente só no discurso, mas nas transformações que as lutas provocam na vida das mulheres. Não faria sentido falar em igualdade entre homens e mulheres sem a luta contra a escravidão.

Hoje, em 2019, vivemos uma conjuntura difícil, de imensos retrocessos. Diante do medo, da desesperança, temos falado muito sobre a necessidade de estarmos juntas. Mas para isso, precisamos priorizar as lutas de um feminismo antirracista para além do discurso. Isso implica esforços duradouros e significativos. Esse é um bom momento para falar sobre o lugar social da branquitude e como ela nos separa, refletindo sobre nosso cotidiano, nossas práticas, em rodas de conversa, com as nossas companheiras, nos nossos debates. Precisamos enegrecer nossas pautas em todos os seus aspectos, adequando nossa linguagem à realidade de todas. E também reconstruir nossa história. Uma história sem a pretensão de ter totalizante, de ser única, e sim uma história que seja capaz de perceber os silenciamentos a aponta-los. Uma história menos colonizadora, e mais transformadora do nosso mundo.

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