Fragilidade na coesão feminista e do movimento de mulheres - 2007

O movimento feminista e os movimentos de mulheres souberam aproveitar a vitalidade do período pós-constituinte agregando-se em torno de agendas comuns. Mas esta vitalidade arrefeceu, do ponto de vista da coesão e da liberdade de ação. Isto se deu não apenas pela dificuldade crescente de acesso a recursos financeiros. A questão de fundo está nas ambivalências diante das perdas políticas com que se depararam no curso do governo democrático popular, com o qual é forte a relação de muitas das integrantes do movimento - em particular aquelas com um histórico próximo ao do Partido dos Trabalhadores ou do PCdoB ( ambos no centro do poder e forjando alianças com segmentos conservadores em nome da governabilidade).

À sensação de perda se somavam dúvidas sobre como proceder e como encontrar espaços que garantissem ganchos de superação.

“Um ponto de fragilidade era que a gente não podia ir contra uma coisa, porque o governo era da gente. Isto significaria ir contra o governo popular! Eu mesma me senti assim, porque de repente a gente não podia falar alto e reivindicar alguma coisa porque ia ser feio para um governo popular que a gente lutou tanto para colocar no poder!” (Iáris Ramalho Cortês)

Militantes históricas passaram a trabalhar com o Governo (federal, estadual e municipal) ocupando cargos em ministérios, secretarias, mecanismos de políticas para as mulheres. Tantas outras seguiam atuando no movimento social para fortalecer o Governo. Assumir o confronto nos momentos necessários passou a ser uma decisão ousada ou mesmo mal vista. Sem posturas cristalizadas, as posições vinham se embaralhando e os consensos se tornando mais penosos. Em diferentes proporções, outros movimentos sociais que tinham uma postura mais crítica vivenciam o mesmo impasse. Assim foi com o MST na questão da política de reforma agrária, por exemplo.

As primeiras militantes feministas a enfrentar este dilema foram as que se dedicavam à luta pelo direito ao aborto legal e seguro, questão que estava – e ainda está – no centro dos acordos político-eleitorais, com ganhos para o segmento conservador. Estas ficaram, de certa forma, isoladas, o aborto sendo parte da “agenda negativa”, e questão indesejada em um governo que estava “dentro do nosso campo”. A grande polarização presenciada na 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (2007), na qual governistas fizeram pressão para que  a recomendação pela legalização do aborto não fosse votada pela Conferência, parecia prenunciar a desaprovação do PL 1135 (que legalizava o aborto), no ano seguinte, em duas comissões da Câmara Federal.