Reposicionamento político e novas estratégias – 2003-2010

O ano de 2003 foi o marco inicial de um período em que a maturidade institucional do CFEMEA foi desafiada por componentes de fragilidade. O peso das forças conservadoras no jogo político-eleitoral minava os rumos da conquista brasileira por um Estado garantidor de direitos e cumpridor do compromisso constitucional com políticas universais. Novas composições debilitaram as agendas de partidos políticos que vinham se pautando pela consolidação da democracia.

“O governo democrático popular tinha uma coligação enorme, cujas exigências diferiam daquilo que o PT, o PCdoB e o PSB - o chamado bloco democrático popular - defendiam em seus programas. A coligação [que garantiu a eleição do Presidente Lula] gerou um compromisso de governabilidade que cobrou seu preço e nós tínhamos que pressionar”. (Guacira Cesar de Oliveira)

No Congresso, evangélicos mostravam seu poder de barganha. O fortalecimento de uma bancada religiosa conservadora adubou suas alianças em torno da própria agenda contra os direitos sexuais e reprodutivos. Parlamentares que antes defendiam uma ampla Reforma da Previdência se calaram, para não contrariar a insatisfatória proposta acordada pelo Governo de coligação. O processo de reforma do Código Civil se arrastava sem avanços relevantes. Posições antes avançadas com relação ao aborto fragilizaram-se na negociação com o bloco aliado, com recuo ou omissão de progressistas que passavam a afirmar para as assessoras do CFEMEA: - “Não contem comigo!”

As mudanças demandaram uma reconstrução das conexões nacionais com o movimento feminista em ritmo “enlouquecedor”. Mais do que nunca o lobby no Congresso Nacional precisava ser forte e o movimento parceiro carecia de esclarecimentos sobre o que se passava. A equipe do CFEMEA ainda tateava os meandros das novas disputas no Legislativo, mas tinha clareza maior sobre os limites e as possibilidades, o que precisava ser comunicado com a devida eficiência.

“Era intensa comunicação com as parcerias feministas – três e-mails por dia, telefonemas, lista de deputados para envio de fax e mensagens eletrônicas... Foi um período desafiador e desesperador para todas nós”. (Schuma Schumaher)

Movimentos sociais conectados com o governo democrático popular, entre estes os movimentos de mulheres e feminista, foram sendo surpreendidos pelos desafios postos nesta nova realidade e precisaram rever posicionamentos. No caso do CFEMEA, foram necessárias mudanças de tática e de estratégia traçadas passo a passo e orientadas por análises sobre o campo aliado e sobre o campo adversário (suas posturas e estratégias no Congresso Nacional). A organização optou por um papel de intermediação e negociação. Ampliou suas parcerias com o Poder Executivo, principalmente o Governo Federal, e alargou sua agenda temática, buscando reforço em parcerias com outras instâncias de resistência, como organizações médicas e de juristas, além de organizações LGBTT e de direitos humanos.

Foi assim que o CFEMEA participou da campanha “Onde você guarda seu racismo”, integrou a Secretaria Executiva do Fórum Brasileiro do Orçamento, incidiu no debate sobre a Reforma da Previdência liderando o Fórum Itinerante das Mulheres em Defesa da Previdência Social eparticipou do Movimento pelos Direitos Sociais Ameaçados na Reforma Tributária e da constituição da Plataforma dos Movimentos Sociais para Reforma do Sistema Político.

Com esta vasta agenda, internamente, a organização vivia um momento de fragilidade financeira pela gradual drenagem das fontes de financiamento oriundas da cooperação internacional. O Brasil se gabaritava como País desenvolvido com um governo democrático.Nessa categoria, o CFEMEA passou a ser visto como parte das organizações que já não precisavam desta ajuda. Por sua vez, em nome de sua autonomia, a instituição tomou a decisão de não recorrer a recursos federais. Este momento de fragilidade se deu justo quando era maior a necessidade de profissionalismo, maior a demanda pelo trabalho militante com investimento em debates e articulações com redes parcerias e grande a necessidade de investir em ações de comunicação, informação e formação.

Embora o grau de sobrecarga para a equipe institucional fosse bastante pesado houve motivos de comemoração no período, como a promulgação da Lei Maria da Penha (2006), processo do qual o CFEMEA participou integralmente.