Desafios globais impactam cotidiano de trabalho – 1998

Em meados da década de 1990 já era claro o enfraquecimento das bases de sustentação das democracias emergentes, como a brasileira, pelos efeitos da globalização e a onda neoliberal, implicando prejuízos para a agenda social. Ao mesmo tempo, tomava corpo a ação conservadora contra a agenda dos direitos humanos - especialmente dos direitos sexuais e reprodutivos. Disputas acirradas exigiam das ONGs do campo progressista desdobrar as ações de monitoramento e incidência no Executivo e no Legislativo, para garantir as conquistas democráticas e transformá-las em políticas públicas regulamentadas e financiadas.

O cotidiano do CFEMEA refletia esta realidade. Como em outras ONGs do mesmo campo, foi preciso um choque de maturidade para acompanhar o tempo real da política, fornecendo informações para o debate e sustentando a construção de uma agenda pública através da produção de conhecimento, das atividades de formação e, no caso do CFEMEA, do permanente diálogo com organizações da sociedade civil, sobretudo o movimento de mulheres.

“Olhando para as experiências do CFEMEA e do INESC, vejo que nos propúnhamos a fazer um tipo de monitoramento da política pública diferente do que a academia faz. A incidência era cotidiana, seja no parlamento, na sociedade ou com outros movimentos. Tudo isto sob uma pressão muito forte: - ‘Você tem que colocar isto no planejamento! Você tem que avaliar!’ Nosso campo sofreu, e sofre, essa pressão enorme!”. (José Antonio Moroni/ INESC)

A partir de 1995, o CFEMEA pôde contar com um orçamento mais robusto, mas com isto vieram também mais exigências sobre planejamento anual, relatórios e prestações de contas. A ampliação da equipe, contratando especialistas para atuar exclusivamente no Congresso, não impediu que as novas assessoras fossem, de imediato, desafiadas a entrar no ritmo cotidiano da sede, que envolvia o atendimento à imprensa e às demandas do movimento de mulheres.

As estratégias de atuação no Congresso eram desenhadas depois de muita discussão e análise nas reuniões semanais do “pleno”. Diferentes táticas para diferentes projetos legislativos. Esta era a regra que considerava o caleidoscópio de dificuldades no diálogo com parlamentares, a depender da questão em pauta. Quando surgia um novo projeto de lei, senadores e deputadas buscavam o CFEMEA para perguntar sobre seu posicionamento, que por vezes ainda não existia. Com isto, a pauta das reuniões semanais se multiplicava sob o risco de que não se cumprisse a agenda de assuntos a tratar.

“Era uma loucura, porque a gente estava no início da internet e recebia mensagens o dia inteiro com perguntas. Trabalhava-se sete dias na semana!” (Elizabeth Saar/ uma das assessoras contratadas)
“Pela natureza da nossa organização, a gente estava envolvida em tudo o que era articulação e em tudo o que era tensão política que o movimento pudesse produzir. A relação com o Governo (FHC) era tensa... Cotidianamente tínhamos duas horas a mais de trabalho, levávamos tarefas para casa e ficávamos madrugada adentro terminando uma publicação. Era tudo urgente e a gente tinha clareza de que estava fazendo história!” (Guacira Cesar de Oliveira)