Editorial

Vertiginosa, profunda, de alto risco, assim vemos e vivemos o momento atual da crise política no Brasil. No meio desse tsunami, estamos lançando o novo website do CFEMEA, na expectativa de que seja mais um canal de nutrição da luta das mulheres para transformar o mundo.

A nossa modesta contribuição firma-se na certeza que as alternativas mais justas e igualitárias a esse sistema político excludente, racista, patriarcal estão em nós mesmas, nos nossos movimentos, no exercício ativo da nossa cidadania, no poder popular. Acreditamos que a disposição feminista, movimentista, ativista pode dar uma contribuição ímpar para reinventar a arena política. Não queremos incluir as mulheres nos espaços concebidos pelo patriarcado e para ele. Mas sim conceber com as mulheres outras formas de estar, pertencer, refletir, fazer política. Para mobilizar outras dinâmicas capazes de convergir a diversidade que nos constitui e mobilizar projetos emancipatórios, justos, solidários, igualitários, libertários, democráticos e criativos.

Com esse website, queremos contribuir para resgatar o sentido democrático da política, degenerado pelo patrimonialismo e seus derivados: clientelismo, corrupção, nepotismo, machismo, misoginia, homo-lesbo-transfobia, racismo, etnocentrismo, entre outras formas de manter o poder nas mãos dos patriarcas brancos e proprietários de sempre.

Esse espaço cibernético e a existência do próprio CFEMEA como organização feminista estão orientados à sustentabilidade do ativismo das mulheres, no sentido da igualdade de direitos, do Bem Viver, de um processo contínuo de democratização da democracia. Processo que, acreditamos, se desenvolve nas ruas onde protestamos, nos grupos e coletivos onde nos organizamos, nas organizações comunitárias que criamos, nas redes e movimentos em que nos articulamos, nos sindicatos, nos partidos, nos espaços virtuais em que as mulheres estão ativamente participando, nas relações afetivas e íntimas que cuidadosamente alimentamos, nas redes de reciprocidade e solidariedade que fiamos. Entendemos que a organização e a mobilização das mulheres é fundamental à democracia, tanto quanto o seu oposto (exclusão) é essencial à dominação patriarcal.

Por isso, queremos alimentar o nosso modo de ser sujeito político, com desejos, atitudes e práticas libertárias acolhedoras das mulheres que lutam e, também, transgressoras da fronteira do racismo patriarcal, enlaçando afetos, valorizando emoções e sentimentos. Queremos que nós mulheres nos fortaleçamos na luta, na resistência aos retrocessos e na insurgência contra todas as formas de violência.

Nas últimas 3 décadas, as lutas feministas fizeram muito para a democratização da democracia: a força da nossa organização em movimentos, a pressão das nossas articulações, a ousadia de cada uma de nós, os embates que enfrentamos, os argumentos que construímos, os canais de diálogos que abrimos, os aliados que conquistamos, as alianças que fizemos, com tudo isso, revolucionamos a vida, transformamos corações e mentes, alteramos as relações de poder, mexemos com as estruturas do Estado, da democracia. Conseguimos instituir direitos, políticas públicas, parâmetros e princípios para enfrentar as múltiplas formas de desigualdade vivida pelas mulheres que, no entanto, foram bem menos efetivos do que almejamos, dada a democracia de baixa intensidade que experimentamos.

Mas o momento é de crise, tudo está em risco. E nós feministas aprendemos ao longo de décadas que essa hora é de mobilização e luta. Por isso, afirmamos, não vai ter golpe, vai ter luta! Nós mulheres sabemos, bem melhor do que os inquilinos (que pensam ser proprietários) da Praça dos Três Poderes, que tudo o que temos hoje, foi resultado de inúmeras batalhas: cada direito adquirido, cada liberdade alcançada, cada passo no sentido da autonomia foram conquistados com a nossa ousadia e determinação. Construímos vínculos e bordamos transados fortes e resistentes para sustentar a nossa organização e mobilização coletiva, para proteger nossas conquistas pessoais e políticas contra todas as formas de opressão e discriminação e, nesse momento em particular, contra a reação conservadora que está se erguendo.

Um dos elementos vitais para a ofensiva conservadora, fundamentalista e antidireitos crescer é a desqualificação das lutas sociais, do nosso fazer político, do direito que todas e cada uma de nós temos de decidir livre e autonomamente sobre as nossas vidas. Por esse motivo, aqui nesse espaço, dizemos não à direita, e firmamos nossa posição em defesa de direitos.

A democratização da democracia, para nós mulheres foi e continua sendo fundamental, cuidamos disso! Fazemos política, apoiamos a insurgência contra o autoritarismo e todas as expressões de fundamentalismo. Denunciamos a sujeição do poder político ao poder econômico, do Estado laico aos interesses oportunistas de várias igrejas e seus negócios, da grande mídia aos interesses privados que ela sustenta.

A ofensiva conservadora nos ameaça, quer nos dominar , controlar, sujeitar violentamente os nossos corpos, as nossas sexualidades e subjetividades, as nossas vidas, negar-nos direitos e mercantilizar os bens comuns da terra e da humanidade. Temos de cuidar e manter a chama acesa, avivar o debate, as lutas feministas e o método democrático, transgredir a fronteira que separa o pessoal do político, a razão da emoção, o corpo do espírito, para concretizar relações interpessoais verdadeiramente afetivas e prazerosas; diálogos interculturais genuinamente capazes de reconhecer e valorizar as singularidades reunidas; promover relações sociais igualitárias e solidárias, baseadas no cuidado e reconhecimento mútuo.

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